
Carnaval afro-brasileiro celebra laços culturais na Nigéria

Milhares de jovens e idosos descendentes de antigos escravizados desfilaram em trajes elaborados e coloridos em Lagos, a maior cidade da Nigéria, no domingo (20), para manter viva sua herança e celebrar a história afro-brasileira da cidade.
A vitalidade, as cores e o ritmo lembravam o carnaval do Rio de Janeiro, embora em menor escala e do outro lado do oceano Atlântico.
Após a abolição da escravidão no Brasil, alguns dos escravizados retornaram para a África Ocidental e se estabeleceram em vários países, incluindo Nigéria e Serra Leoa.
Levaram consigo a cultura latino-americana, com suas danças, comidas, religiões e cores, que ainda sobrevivem em alguns cantos da grande cidade de Lagos.
No carnaval de Fanti, no domingo, uma mulher, com um vestido verde e amarelo e um cocar amarelo, dançava ao som de tambores e trombetas, às vezes abraçando um homem que andava sobre pernas de pau.
Logo atrás, um grupo de jovens usando máscaras coloridas e calças e jaquetas amarelas e vermelhas se preparavam para a "dança do dragão". Os longos dragões de borracha, semelhantes aos usados nas celebrações do Ano Novo chinês, seguiam o tema verde e amarelo.
"Queremos manter (a nossa herança) viva, muito colorida (...), amamos as cores", disse Onabolu Abiola, um professor aposentado de artes de 67 anos, vestido com o amarelo e o verde da bandeira brasileira.
"Durante esse período, não nos preocupamos com a situação econômica nem nada. Todos se reúnem para se divertir", disse o homem de barba grisalha, que começou uma dança improvisada ao som da música tradicional iorubá nigeriana e dos tambores que tocavam ao fundo, enquanto os colegas se preparavam para suas apresentações.
- "História de esperança" -
Mayegun Musiliu, de 50 anos, usava um traje vermelho intenso enquanto caminhava com seus companheiros.
"Estamos aqui para mostrar a cultura, estamos aqui para fazer história. Celebrar a cultura é importante", disse. "É assim que a mantemos".
O Brasil foi o último lugar nas Américas a abolir a escravidão, encerrando formalmente a prática em 1888. Muitos escravizados foram forçados a adotar nomes portugueses.
É comum na Nigéria hoje encontrar pessoas com nomes de etnia iorubá e sobrenomes portugueses, como Aduke Gomez, um advogado e historiador de 62 anos.
"A história dos afro-brasileiros é uma história de tragédia, mas também de esperança, de resiliência", declarou ele enquanto uma música alta tocava, quase abafando suas palavras.
"Pessoalmente, tenho muito orgulho de ser descendente de afro-brasileiros. (...) Quando voltaram, não tinham nada. Trabalharam, se formaram e deram uma contribuição positiva" para o país, explicou.
O carnaval "não é apenas um dia, é um legado tangível do que meus ancestrais vivenciaram", acrescentou.
Joke Silva, uma conhecida cineasta e atriz de 64 anos, lembra como seus pais sempre a levavam ao festival Fanti quando ela era criança. Ela continuou com a tradição e trouxe seus filhos.
"Precisamos questionar mais sobre como o trauma (da escravidão) moldou quem somos hoje, mas isso não significa reivindicar a vitimização", disse ela.
Para muitos nigerianos, o carnaval representa uma parte às vezes esquecida da história do país, embora alguns tentem mudar isso.
Kelenchi Anabaraonye, de 27 anos, lembra-se de ter colegas de escola com sobrenomes portugueses quando era mais jovem.
"Eu tinha amigos chamados Pionero, Pereira, Da Silva, Gomez. Na época, achei que eles estavam brincando com os nomes. Por que eles tinham um primeiro nome iorubá e um sobrenome estrangeiro? Eu não sabia que havia alguma conexão histórica", explicou Anabaraonye, que organizou uma exposição sobre a história do festival.
O.Kwon--SG