
Migrantes lamentam morte do papa que defendeu seus direitos

Na fronteiriça Ciudad Juárez, visitada pelo papa Francisco em 2016, Yulieth Cuéllar recorda com emoção a sensibilidade do pontífice com os migrantes que tentavam chegar aos Estados Unidos.
"Ele rezava muito por nós, migrantes (...) Suas orações tocavam profundamente", diz Cuéllar, uma colombiana de 28 anos que não conseguiu entrar nos EUA depois que o presidente Donald Trump cancelou os programas migratórios em seu retorno ao poder em 20 de janeiro.
Espalhados desde o sul do continente até esta cidade do norte do México, que faz fronteira com um muro de metal, muitos migrantes se reuniram para lamentar a morte do papa argentino na segunda-feira, aos 88 anos de idade.
Mas também o agradeceram seu apoio contínuo, denunciando a "migração forçada" em todo o mundo e as políticas anti-imigrantes de Trump.
Cuéllar é uma dos quase 3.000 migrantes que buscam se estabelecer em Ciudad Juárez após não conseguirem entrar nos Estados Unidos.
"Ele foi um grande papa", acrescenta a mulher em um refeitório da Igreja Católica, onde muitas dessas pessoas têm alimento garantido enquanto resolvem sua situação.
A milhares de quilômetros de distância, em um abrigo em Tegucigalpa, o venezuelano Ericxon Serrano também recorda Francisco, filho de migrantes italianos, como uma "pessoa maravilhosa".
Ele pediu a Trump para "acabar com o assédio aos migrantes", destaca o homem de 35 anos que está viajando de volta a Caracas com sua esposa e dois filhos pequenos.
- "Incentivo" aos migrantes -
Durante sua visita a Ciudad Juárez em 17 de fevereiro de 2016, o papa denunciou que os migrantes percorriam um "caminho de terríveis injustiças" ao fugir da pobreza e da violência. E rezou por eles em frente à uma cruz pregada perto de uma cerca que Trump posteriormente substituiu por uma barreira de metal.
O primeiro pontífice latino-americano estava ansioso para ver a cerca, sobre o Rio Bravo, lembrou José Guadalupe Torres, bispo de Ciudad Juárez, na segunda-feira. E quando finalmente a viu, disse: "Eu vi a terra prometida onde não corre leite nem mel", lembrou Torres durante uma missa em homenagem a Francisco.
Em defesa dos migrantes em meio ao que considerava como "crise humanitária", o pontífice chegou a confrontar Trump em 2016, em plena campanha presidencial, afirmando "uma pessoa que quer construir muros e não pontes não é cristã".
O jesuíta manteve suas críticas após o retorno do magnata republicano, declarando que a expulsão de migrantes "viola a dignidade" destas pessoas, segundo com uma carta dirigida a bispos americanos.
"Ele nos encorajou muito como migrantes porque dava palavras de incentivo a todos nós que deixamos nossos países", diz Marisela Guerrero, uma venezuelana de 45 anos que migrou para o Chile há alguns meses.
Mas tal questionamento não conseguiu impedir a repressão de Trump, que reduziu drasticamente o fluxo migratório na fronteira de 3.100 quilômetros.
As interceptações de migrantes caíram de 180.359 em março de 2024 para apenas 11.017 no mês passado, de acordo com dados oficiais americanos.
- Pedido aos céus -
Padres e laicos envolvidos em programas de apoio a migrantes também se lembram de Francisco com devoção, após o papa descrevê-los como "profetas da misericórdia".
"Ele é meu santo em vida", diz Cristina Coronado, responsável pelo refeitório de Ciudad Juárez, que confessa que o papa restaurou sua confiança na Igreja.
"É muito triste que esse anjo defensor dos migrantes tenha partido", lamentou, por sua vez, Francisco Calvillo, que dirigia o abrigo local Casa del Migrante na época da visita.
Uma estátua de 4,8 metros de altura do bispo de Roma, mostrando-o sorridente, foi erguida um ano depois perto do muro na cidade vizinha de El Paso, no Texas.
Em meio ao seu luto, Calvillo tem um último pedido ao Santo Padre: "Agora que ele está no céu, que peça a Deus para nos enviar um papa, mais bispos, mais padres, mais laicos sensíveis a esta realidade" da migração.
A.Kim--SG